quarta-feira, junho 29, 2005

Vida Frágil

Quando cheguei, evitei vê-lo. Na verdade, eu sabia que aconteceria, mas queria adiar. Era uma forma de me defender do sofrimento. Mas como eu disse, meu silêncio durou pouco tempo. Logo eu estava ali - na sua frente. Já sabia que estava de cama, que não levantava, que estava abalado emocionalmente e que precisava de ajuda para tudo. Uma coisa é saber, outra é ver e participar. E quando ele me viu, os lábios se abriram num sorriso e logo o rosto se virou para chorar. A minha vontade era de chorar junto. Mas mantive a minha força.
- Vô, não chora não. Eu estou aqui para te fazer feliz...
Pois é. Hoje fui para Mogi das Cruzes ver meu avô, de 92 anos, que está de cama. Não existe uma doença definida. É um conjunto delas, ou se preferirem, é a "consequência da idade avançada". Juro que tive que me segurar muito para não chorar e despencar. Por alguns instantes, um filme passou pela minha cabeça... quando era pequena costumava vê-lo nos fins de semana que meus pais me levavam lá. Não era um vô carinhoso, de pegar no colo, mimar... Era um contador de histórias, um homem saudoso do seu tempo de moço e de menino. Na adolescência, escrevi um trabalho sobre a imigração espanhola no Brasil, baseado na história de vida dele, para um concurso que estava homenageando os 500 anos de descobrimento da América Latina. (Ganhei um prêmio com o texto - fiz parte de um grupo de 500 jovens que por dois meses, refez de navio a viagem de navegador espanho Vicente Yañez Pinzón. Mas esta história eu contro outra hora...) Lembrei também da época em que ele ficou na minha casa por um período - que estava brigado com a vovó... Um homem forte, que andava muito, ia nadar no SESC, adorava passear em São Paulo. E vê-lo ali, deitado, com fralda, precisando de ajuda para sobreviver, me fez sofrer. Fiquei pensando no futuro dos meus pais e depois no meu futuro... um balde d´água fria! O que eu poderia fazer para mandar embora um pouco daquele sofrimento? Ele me disse que a barba, que estava bem crescida, incomodava. Então, vamos ao balde, gilete, sabonete e água quente!! Com paciência, carinho e amor, eu fiz a barba dele. Não sou nenhuma expert nisso - para ser sincera eu só brinco de fazer a barba do maridão de vez em quando... mas falei que tinha experiência e pronto! Aos poucos fui tirando os pelos que escondiam o seu rosto. Se você pensar numa caricatura de um velhinho espanhol vai ver o meu avô. Tem a pele do rosto vermelha, com bochechas grandes, é grisalho e com bastante cabelo. Ele ficou tão grato que até me ajudou a tirar a parte mais difícil, o bigode. Depois, cortei e lixei as unhas da mão dele. Meu pai ficou todo orgulhoso de me ver dando carinho para o pai dele. Meu pequeno de tanto insistir, acabou até ajudando e nos divertindo! Eu fiquei bem de poder ter proporcionado um momento de felicidade à ele - e com certeza, o deixei mais limpo e bonito. Durante a tarde, por várias vezes, o vovô encostava o rosto no travesseiro e começava a chorar... e eu, brincando, fui tentando distraí-lo. Resolvi então dar-lhe um presente. Comprei uma TV de 14" e um criado-mudo para colocar ao lado de sua cama. Assim, a TV o diverte, faz o tempo passar... Imagina como é ficar deitado 24 horas olhando o teto!!!!!! A felicidade dele não tinha tamanho! Me agradeceu, do fundo do coração, o que tinha feito por ele neste dia.

Mas para ser sincera eu é que tenho que agradecê-lo, por me deixar fazer parte dos momentos que a vida ainda lhe presenteia.
Eu combinei de vê-lo mais vezes. Tomara que Deus me permita.