sexta-feira, junho 24, 2005

Um homem de tirar o chapéu

Ele é, sem dúvida, um dos homens mais importantes do mundo. Politicamente, economicamente e até socialmente. Por duas vezes foi eleito o presidente dos Estados Unidos. Estou falando de William Jefferson Clinton, o Bill Clinton. E foi à espera dele e com ele que estive ontem durante o dia. Todos temos uma idéia feita sobre ele – inclusive sobre o episódio “Monica Chupinski”, é claro. É um coroa charmoso, alto, inteligente e competente. Mas descobri que ele é uma pessoa de coração, bondosa, caridosa (não é á toa que foi escolhido pela ONU como enviado especial para ajuda às Nações envolvidas no Tsunami). É um ser com mil histórias, muita experiência e um olhar atencioso e curioso. Ele foi convidado pelo Banco Votorantim e pela Cambridge Leadership Associates Brasil para fazer uma palestra para 1200 executivos brasileiros sobre Liderança e Prosperidade Coletiva aqui em São Paulo. Não falou muito tempo – foi o necessário. E deixou, com certeza, muitos homens ali – que são importantes para a nossa economia e mundo empresarial - com uma pulga atrás da orelha. Nos fez enxergar o nosso próprio umbigo.

Clinton nos contou que quando presidente pediu aos seus assessores uma lista de quais eram os 10 países emergentes que mudariam os rumos do século XXI. Não é que o Brasil estava entre eles? “Para mim foi uma grande honra desenvolver relações mais profundas com tais países”, disse ele. O ex-presidente disse também que estamos vivendo uma era que ele chama de interdependência – em vez de globalização, como estamos acostumados a ouvir. Trata-se, segundo ele, de um fenômeno internacional que envolve cultura, religião, política e forças psicológicas. “A situação do mundo vai além do nível econômico”, ressaltou. Clinton disse que a interdependência pode ser positiva ou negativa. Como exemplo de negativa, falou sobre o atentado de 11 de setembro, ocorrido nos EUA – onde 3 mil pessoas de 70 diferente países morreram. E logo veio o primeiro puxão de orelha. “A situação da floresta amazônica pode virar um exemplo de interdependência negativa aqui no Brasil se ninguém ajudar os povos que ali vivem. É necessário fazer uma ponte com eles, criar um elo para salvar a Amazônia”. O ex-presidente idealizou o que seria o melhor atingirmos: a comunidade integrada, onde valores, responsabilidades, e lideranças seriam compartilhados. E ele descreve que para chegarmos neste ideal, temos que seguir alguns passos: desenvolver política de segurança contra o terrorismo e narcotráfico, lutar por cooperação constitucional, lutar por melhores governantes e saber quais valores comuns possíveis podemos compartilhar. “O Brasil é fonte de excelentes idéias”, elogiou Clinton. Ele ressaltou dois programas brasileiros que foram exemplos para o mundo e que são copiados por vários países: o Bolsa Escola e a distribuição de medicamentos para pacientes com AIDS. “Vocês tem um maravilhoso espírito empreendedor e administrador”. O ex-presidente nos alertou também que embora esteja otimista, o mundo poderá ter bom desempenho ou não no próximo século – depende de nós. “A ignorância e cobiça podem acabar com a luta contra a pobreza”.

Para exercer a liderança, Clinton disse que é necessário ver as coisas de maneiras diferentes. E citou um exemplo que adorei! Ele nos contou que quando esteve com Nelson Mandela, perguntou se ele não odiava os homens que foram seus carrascos durante o tempo que ficou preso e que – surpreendentemente - estavam na sua posse. Mandela disse que durante 14 anos odiou sim aqueles homens, pois tiraram tudo que ele tinha, até a família e a integridade física. Mas percebeu que o que ele tinha de mais valioso ainda estava guardado – e que nunca, ninguém, poderia tirar-lhe. Que era sua mente e seu coração.

O segundo puxão de orelha – que com certeza fez com que muitos ali ficassem incomodados - veio quando ele nos chamou a atenção de que devemos dar valor às pessoas e não ao poder e riqueza. Nos contou sobre a política do “I see you”, ou seja, em vez de cumprimentar as pessoas com um simples “Olá”, deveríamos falar-lhes: “Eu vejo você”. E veio chumbo: “quantos de vocês não passam todos os dias nas ruas e não enxergam as pessoas que estão ali? No meio deles, pode existir um gênio”. “Muitas crianças que vivem nas ruas nunca conversaram com homens engravatados como vocês”. Perguntado de como é possível fazer com o Brasil exerça liderança, Clinton foi incisivo: “eu nunca faria uma reunião como esta sem que houvesse aqui, um grupo de jovens e crianças – não estou falando dos filhos de vocês e sim daquelas pessoas que vivem em casas que ficam em vielas onde o carro de vocês não entra”.

CHUMBO GROSSO E BOM! Eu vi muitos homens atônitos, mas pensativos. Naquele momento, virei fã de Mr. Clinton.

“Vocês não fazem idéia de como uma conversa ou um gesto pode mudar a vida de uma criança”. Ele disse que algumas vezes, os seus empregados levavam os filhos para passearem na Casa Branca e que ele fazia questão de deixar as crianças sentarem em sua cadeira – diante de sua mesa. “Eles podiam se sentir por um pequeno instante que eram o presidente dos Estados Unidos”.

O ex-presidente americano disse que o Brasil irá liderar o mundo de uma maneira ou de outra, mas que é preciso dar a cada criança um novo recomeço, um alvorecer.

Vamos começar aqui e agora mudar o rumo de nosso país. Repasso para vocês o que um amigo, que admiro, me escreveu: "Se um sistema tão travado nos impede de fazer algo grande, façamos muitas pequenas coisas, e peçamos ajuda ao Alto com uma sinceridade de coração que não possa deixar de ser ouvida."

Então que tal sorrir quando aquela criança chega perto do seu carro para vender bala? Converse com ela, diga o quanto é importante para o nosso futuro. Uma andorinha só não faz verão, mas se cada um de nós fizermos um pouquinho, tenho certeza de que os nossos filhos e netos, encontrarão aqui um lugar melhor para viver.