sexta-feira, julho 14, 2006

PAI Tantã

PAI. Se eu fosse apontar apenas uma característica para o meu, dizia que ele é PAI. Estas três letrinhas formam um grande significado. PAI resume muitas emoções, sentimentos e responsabilidades. E eu posso dizer que o meu PAI é O PAI. Não lembro de muitas coisas da minha infância, mas recordo de bons momentos que tive ao lado do meu PAI, mãe e irmãos. Principalmente nas viagens. Como ele sempre trabalhou muito, nós tínhamos a presença dele à noite, nos fins de semana e nas férias. E eram nos momentos da nossa pausa escolar que ele escolhia os locais mais inusitados para nos levar. Não era como muitos outros, que levava os filhos para Disney. O meu PAI escolhia os locais a dedo - onde de alguma forma aprenderíamos muito mais do que a história do Mickey Mouse. O Hotel Fazenda em Bananal era o meu predileto. Lá passei momentos maravilhosos. E o meu PAI sempre nos contava as histórias da origem do local onde passávamos as férias. Com certeza, ao escolher, ele já estudava a cidade. E foi assim que conhecemos lugares incríveis, como Tiradentes, Arraial D´Ajuda, Trancoso, Diamantina, Gramado, Canela, São Francisco do Sul, São Bento do Sapucaí ... Ai que saudades daqueles momentos!! Lembro de umas férias no Guarujá, com amigos da família, onde meu pai por várias vezes nos mandava “ler Proust” – quando fazíamos bagunça ou enchíamos o saco dos adultos... naquela época nem sabia do que se tratava... mas hoje sei a tortura do que isso significa. Em Paraty, em uma viagem recente, ele passou por maus bocados quando entrou no mar. Apesar de ser canceriano, um signo regido pela água, meu PAI tem pavor de mar, rio ou até de uma inofensiva piscina. Mas a vontade de fazer xixi era tanta que – em alto mar, não teria outro lugar para usar como banheiro do que o próprio mar. Tivemos que montar uma estratégia ousada para que ele não afundasse – o resultado foi bom: muitas risadas e uma foto insólita (um momento como este não podia passar em branco!).

Ele é um PAI de alma. Sempre doou seu amor com verdade - nos momentos em que o tenho ao meu lado. Nos seus olhos, nos seus gestos contidos - mas muito carinhosos. Quando era pequena, tinha muitas dores nas pernas – causadas pelo frio. Ele se revezava com minha mãe na tarefa de passar “gelol” e esquentar o local. Mimada, tinha medo quando ele e minha mãe saiam de casa para aproveitar a noite – como qualquer casal. Eu chorava para pedir que ele ficasse. E muitas vezes ele ficou. E em outras me acalmava com doces palavras, Acredito que criar uma mulher não é uma tarefa fácil - mas ele soube fazê-lo com proeza. E foi assim que cresci. Claro que nem tudo são flores. Na adolescência tive muitos problemas com ele. Afinal, aquele homem representava um corte a minha liberdade. O mundo naquela época era pequeno para tanta vontade de viver e experimentar. Mas agora, como mãe, entendo que o excesso de zêlo era fruto do grande amor que ele sente por mim. Tivemos muitas brigas sim - mas em muitos momentos nos ajudamos. A perda do meu tio e padrinho foi muito dolorosa para mim. E claro, para ele - afinal era irmão dele. Mas de alguma forma, criamos naquele momento uma eterna cumplicidade. Encontramos no sofrimento um ombro amigo.

Meu PAI também sempre me falou da importância de se ter uma profissão, um trabalho, de ser independente. Aprendi a dar valor a isso. E sei que muitas vezes, como ele me mostrou, é necessário se vestir com uma "carcaça" para agüentar as dificuldades e maldades do dia-a-dia.

Meu PAI nunca me cobrou resultados em escola ou no trabalho. Mas me indicou o caminho para ser respeitada como profissional. Sempre sonhei em ser como ele. Uma referência na área onde atua. Era o meu mito. O melhor de todos jornalistas que já vi e li. O repórter que vai fundo, que mergulha.

O jornalista que não existe hoje. Romântico, com vontade de mudar o mundo com as palavras. E foi por isso que decidi ser jornalista (claro que minha mãe também tem culpa!!). E sentia orgulho quando se referiam a mim como a "filha do Júlio Moreno". Outro dia ele me disse, orgulhoso, que eu fui a referência. Agora, em algumas ocasiões, ele é o pai da "Márcia Moreno" ou "Márcia Placa". Mas se isso acontece, devo muito à ele. Claro que a cobrança de ser como ele era e ainda é grande. E por isso me esforço para ir bem em tudo que faço.

Quando casei, não esqueço de suas palavras trêmulas ao recitar um poema na cerimônia. Ele estava mais nervoso do que eu. Imagino como é entregar a filha para outro homem. Acredito que não deve ser fácil. E apesar de tantas pedras terem rolado, posso garantir à ele, que me entregou para pessoa certa.

Durante a minha gravidez, foi um pai mais do que presente. Já o sentia o vovô-coruja. Não esqueço da alegria que vi em seu rosto quando voltei da sala de parto. Felicidade era o seu nome.

Meu PAI também me mostrou que mesmo um homem forte tem seus momentos de fraqueza. Já o vi, encolhido, chorando, triste. Não foi fácil e não desejo à ninguém ver o próprio pai assim. Mas naquele momento me senti importante. Tenho certeza que a força que ele meu deu na vida - me fez com que agüentasse o tranco e me desse a coragem para ajudá-lo a sair da escuridão que uma depressão pode causar. Ele mostrou também que mudanças são necessárias - mesmo quando a vida parece estar indo bem. Lembro do que ele me disse quando estava enfartando - sim, ele estava tendo um enfarte e com todo otimismo do mundo me disse: "Não se preocupe, filha. Vou sair desta". E saiu. Com garra. Mais uma vez, me passou uma lição.

Hoje em dia, meu coração se enche de paz e esperança quando o vejo brincando com meu filho. O "vovô tantã" se entrega as brincadeiras do pequeno. Parecem duas crianças. E eu não me atrevo a me meter. Eles criam um mundo tão único - que não é necessário mais nada e ninguém.

Como se pode perceber, meu PAI é um ser iluminado e especial. Não sei a quem agradecer por tê-lo como PAI: a Deus, a mãe dele (Vó Geralda) ou a minha mãe que o escolheu? De qualquer forma, todos estão eternamente agradecidos. Meu PAI é assim: apenas o melhor de todos.


(texto em homenagem ao 56º aniversário do meu PAI)